Branda Fowler
The New York Times
Em 1981, o lingüista Noam Chomsky, que já havia proposto que a língua não era aprendida, mas inata, fez uma alegação ainda mais ousada.
As gramáticas de todas as línguas, ele disse, podiam ser descritas por um conjunto de regras ou princípios universais, e as diferenças entre estas gramáticas se devem a um conjunto finito de opções que também são inatas.
Se a gramática fosse pão, então água e farinha seriam as regras universais; as opções -parâmetros, como Chomsky as chamou- seriam coisas como fermento, ovos, açúcar e temperos, capazes de produzir um produto substancialmente diferente quando acrescidos às regras universais. A teoria explicaria o motivo de as gramáticas variarem apenas dentro de uma margem estreita, apesar do tremendo número e diversidade de línguas.
Apesar da maioria dos lingüistas agora concordarem que a linguagem é inata, as idéias de Chomsky sobre princípios e parâmetros permanecem altamente controversas. Até mesmo seus simpatizantes não podem dizer que testaram sua teoria com casos realmente fortes, as línguas consideradas mais diferentes daquelas que os lingüistas geralmente conhecem bem.
Mas nos últimos vários anos, Mark Baker, lingüista da Universidade Rutgers cuja tese foi supervisionada por Chomsky, discerniu os parâmetros para um conjunto impressionantemente diverso de línguas, especialmente línguas indígenas americanas e africanas.
Em um novo livro, "The Atoms of Language: The Mind's Hidden Rules of Grammar" ("Os Átomos da Linguagem: as Regras de Gramática Ocultas na Mente", Basic Books, 2001), Baker estabelece uma hierarquia de parâmetros que as divide segundo sua capacidade de afetar e potencialmente anular uns aos outros.
Assim como a tabela periódica dos elementos ilustra as unidades distintas do mundo físico, a hierarquia de Baker traça um conjunto finito de fatores distintos que criam diferenças nas gramáticas.
O fato desses parâmetros poderem ser organizados de uma forma lógica e sistemática, diz Baker, sugere que possa haver uma teoria mais profunda por trás deles, e que a hierarquia pode até mesmo orientar a aquisição da linguagem nas crianças.
Hierarquia não é o mesmo que árvore genealógica de família, que ilustra as relações históricas entre as línguas -por exemplo, italiano, francês e espanhol e sua língua mãe, o latim. Também não está ligada com a forma como as palavras variam de língua para língua. Ao invés disso, Baker analisa a gramática -o conjunto de princípios que descrevem a ordem na qual as palavras e frases são agrupadas, tempos são acrescentados e perguntas formadas. Baker, como Chomsky, acredita que estas instruções são inatas nos cérebros humanos.
Sua descoberta mais espetacular é que as gramáticas do inglês e do mohawk, que parecem ser radicalmente diferentes, divergem apenas em um único parâmetro poderoso, cuja posição no topo da hierarquia cria uma enorme efeito.
A língua mohawk é polisintética: seus verbos podem ser longos e complicados, compostos de muitas partes diferentes. Ela pode expressar em uma palavra o que em inglês exigiria muitas palavras. Por exemplo, "Washakotya'tawitsherahetkvhta'se'" significa, "Ele fez a coisa que se usa no corpo feia para ela" -que significa, ele estragou, tornou feio, o vestido dela.
Naquela sentença, "hetkv" é a raiz do verbo "tornar feio". Muitos dos outros trechos são prefixos que especificam pronomes do sujeito e do objeto. Todo verbo inclui "cada um dos principais participantes no evento descrito pelo verbo", escreve Baker. Ao todo, a língua mohawk possui 58 prefixos, um para cada possível combinação de sujeito, objeto e objeto indireto.
Baker disse que o parâmetro de polisíntese é a diferença mais fundamental que as línguas apresentam, e separa a língua Mohawk e algumas poucas outras -por exemplo, o mayali, falado no norte da Austrália- de todas as demais. O fato destas duas línguas fisicamente distantes operarem da mesma forma é mais uma evidência da idéia de que as línguas não simplesmente evoluem de forma gradual ou sem restrições, disse Baker.
No estágio seguinte da hierarquia, dois parâmetros operam: "a polisíntese opcional" (na qual são possíveis prefixos polisintéticos, mas não são obrigatórios) e "direcionalidade", que dita se modificadores e outras palavras novas são acrescentados antes ou depois das frases existentes. Em inglês, novas palavras ficam à frente. Por exemplo, para fazer a frase preposicional "with her sister" (com sua irmã), a preposição vai antes do substantivo. No lakota, a língua sioux, vale o inverso. A sentença em inglês "I will put the book on the table" (eu colocarei o livro na mesa) ficaria assim em lakota: "I table the on book the put will" (eu mesa na livro o colocarei). Japonês, turco e groenlandês são outras línguas que optam por novas palavras no final das frases, enquanto o khmer e o galês são semelhantes ao inglês.
Ao todo, Baker e outros identificaram cerca de 14 parâmetros, e ele acredita que ainda existam mais 16.
O trabalho de Baker de forma alguma é universalmente aceito. Robert Van Valin, professor de lingüística da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, disse que as descobertas se baseiam em uma suposição questionável: de que há uma gramática universal.
"O que eles estão fazendo naquele programa é pegar estruturas semelhantes ao inglês e colocando palavras ou partes de palavras de outras línguas nestas estruturas, e então descobrindo que se parecem com inglês", disse ele.
Karin Michelson, professora associada de lingüística da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, que também discorda da abordagem chomskiana, disse após o trabalho mohawk de Baker que algumas sentenças que ele selecionou pareciam artificiais.
Baker reconheceu que algumas das palavras mais longas em seu estudo foram "cuidadosamente construídas", mas ele disse que o parâmetro ainda se sustentava empregando exemplos mais comuns de mohawk. Ele disse que utilizando exemplos de discurso real restringiria o tipo de análise que os lingüistas poderiam fazer.
"Seria como restringir um físico de estudar a gravidade sem permitir a construção de um tubo de vácuo", disse Baker.
Mas outros lingüistas dizem estar empolgados com o trabalho de Baker. "Ele é um lingüista muito influente, e meu palpite é que isto fomentará idéias e produzirá novas pesquisas ao longo dos próximos ano", diz Stephen Crain, professor de lingüística da Universidade de Maryland.
Se a teoria de Baker estiver correta, a próxima pergunta seria como os parâmetros de gramática são estabelecidos enquanto a criança aprende gramática. Uma criança em um ambiente de língua inglesa começa no topo da hierarquia, de alguma forma ciente de que a polisíntese não está funcionando, passando posteriormente para o próximo nível da hierarquia?
Baker também se pergunta, se a gramática é inata no cérebro, por que ele não especifica o conjunto de parâmetros? Baker especula que talvez a língua também seja uma ferramenta de criptografia - uma forma de ocultar informação dos concorrentes.
Neste caso, ele prossegue, "os parâmetros seriam procedimentos de embaralhamento".
Tradução: George El Khouri Andolfato